quinta-feira, 19 de março de 2009

Caderno litúrgico

Eu sempre pensei que seria diferente, mas acabei por ser eu mesmo, e sempre quis sê-lo, por mais que em todo o tempo que era e sou, mantivesse-me pensando que seria alguma outra coisa.Mas se sou alguma coisa, a culpa é do que fui e do que era, porque o passado é irremediável e real, ainda que reinventado nos rios e afluentes da minha memória, e ainda que necessariamente recriado, tento não modifica-lo racionalmente, não, o aceito como meu, e o amo, assim como amo tantas das coisas. Uma questão de fé me ensinou que amar é. E sei que posso fazer uma profissão de fé, dessa amante fé.Das eras de quando era, foram permanecendo alguns teimosos pingos, que se somaram em uma tempestade última, essa que passou e foi pro norte. Mas me banhando nessa chuva de vidas e vidas minhas, sei apenas que vivi, não sei desde quando, mas quero dizer que o futuro é inacessível e talvez até neguem-me sua existência, mas o samba já valsado ninguém me tira.Quero dizer que em algum lugar o fim faz-se deus, afinal, a crença inegável é a de que há o fim, mesmo que se recomece um milhão de vezes, mesmo que se nasça, nasça, nasça, etc. Porque eu estava moribundo, mas na curva a morte chegou, e eu amanheci finalmente. Ah, alvorada! Ah, amores meus, não fechem os olhos perante esse deus finalizador, porque ele é bom, é justo, e lhes tira a impossibilidade de ressurreição, assim que só esse Fim é quem lhes pode parir.Sigo então, sem nunca negar daqui pra frente nada do que o senhor Fim me deu, sem esquecer os passos do samba valsado e sem nunca deixar de dizer que amo, ah, como amo, e que nenhum amor meu jamais foi tocado por deus – esse de quem estou falando – porque meu deus aqui toca apenas em mim, mas meus amores foram e são (não tenho o direito de dizer que serão) intocáveis, simplesmente porque eu tenho fé, eles não têm fim nem Fim, mas se encontram, se transformam e se reconhecem aqui dentro do que eu nunca achei que seria, mas que graças ao deus sou.