sábado, 15 de dezembro de 2007

Amálgama

Andei pelo quarto, esbarrei algumas vezes no vingativo pé da cama. Sentei-me, levantei-me e chorei sem parar. Procurei no espaço alguma porta para sair, mas eu só via a janela, a janela do sexto andar e eu não estava animado para suicídio aquele dia. Rotina.

Não sei como entrei ali, mas sabia que me odiavam, porque só se prende assim a quem se odeia.

Tinha a impressão que nasci ali dentro mesmo. Que depois de me parir, mamãe saiu a se aventurar pelas vias breves e sonoras do ar, e nunca mais voltou.

Depois de limpar os olhos, observava minhas pupilas, tão verdes, como pitangas novas no pé, e eu era homem maduro, parado de frente de si.

A solidão e o tempo atemporal me permitiam coisas descabidas. Nesse dia tive a idéia mais real de minha vida: colocaria um espelho em frente a outro. Coloquei. Refletiram-se, eternamente, inevitavelmente. Cuidei para que não quebrassem com o movimento, e pronto, estavam em posição, encarando-se.

Tentei em algum momento enxergar o fim, mas era infinito o reflexo. Começava e terminava-se em si mesmo, e ao mesmo tempo era dependente do outro, no outro. Refletiam-se descontroladamente, paulatinamente, mas refletiam a nada. Foi aí que caminhei alguns instantes na direção daquela imagem e pude ver as pitangueiras no parque. Que lindo lugar, ar puro, verde. Mamãe me pegou pela mão andamos até o lago. Eu respirava fundo, lambia uma lágrima e amava.

8 comentários:

Anderson Lucarezi disse...

muito bom, caro.
não posso deixar de dizer que "amálgama" é uma palavra que sempre me atraiu.
saudações,

luca

thiago disse...

Bom, bom.
acho que somos ageração das trivialidades.
Fim aos grandes épicos! A poesia está nos espelhados colocados um em frente ao outro!

E, juro, não há nem um pingo de ironia nisso. É a mais pura verdade.

Samuel G. disse...

é meio que um êxtase... uma grande descoberta. não sei bem o que descobrir, mas me levou a descobrir algo, algum conceito não definível.

"e eu não estava animado para suicídio aquele dia. Rotina." me refleti um pouco nisso, também.

você escreve bem, di =***

Naná disse...

"Tinha a impressão que nasci ali dentro mesmo. Que depois de me parir, mamãe saiu a se aventurar pelas vias breves e sonoras do ar, e nunca mais voltou."

Geralmente não comento em blogs de pessoas que não conheço, mas isto que li é tão lindo e singelo que me é irresistivel deixar uma marca de que li e me apaixonei.

Tiago Soarez disse...

Di,
lindo texto!
parabéns pelo blog.
abraço

Rodrigo Moreira Pinto disse...

Eu achei bom =D

abs

Thiago Cavalcante disse...

Boa tarde, Diego.

Puder perceber que você "cessou" a escrita. Volte a postar :D

É a primeira vez que comento no seu blog. E gostei do que li.

Confusão no espelho. Confusão chorando. Ás vezes me sinto assim.

Mas passa. Tudo passa.


Shalom!

Anônimo disse...

Muito perfeito o que você escreveu..entrei agora no seu blog e me encantei com os seus posts...você faz algo que eu não consigo fazer...por a alma em palavras..Parabéns isso é um belo dom.